Há muitos anos...numa outra vida :-) escrevi esta estórinha para um grupo de ajuda a crianças seropositivas...nalgumas circunstâncias era difícil, não falar dos assuntos, mas fazer entender esses mesmos assuntos...então apareceu esta estórinha que agora disponibilizo a toda a gente. Só não o fiz antes por esquecimento... rencontrei-a hoje e hoje aqui fica. Usem na. Se não tiverem essa necessidade tanto melhor.
Na luz nos movemos-
UM SONHO REAL
Tenho que vos contar esta situação que me aconteceu e me deixou sem palavras mudando a minha maneira de ver as coisas, tanto as mais simples como as mais complexas.
Então, um dia após comportamento de risco, submeti-me ao teste para saber se tinha contraído o V.I.H., ou seja, se era Seropositivo. Quando chegou o resultado, positivo, pensei que o fim chegara; que bastava sentar-me e esperar o inevitável.
Em uma das muitas noites revoltas e cinzentas, – sem reparar que as estrelas, da mesma forma que antes, brilhavam lá longe no céu, – o meu corpo, constrangido e cansado, aconselhou-me a repousar um pouco. Então deitei-me e adormeci. E enquanto dormia tive um sonho que vos vou contar. Esse sonho, modificou a minha forma de estar, no papel que desempenho aqui na terra; a forma de encarar a vida em si mesma, a própria seropositividade e todo um conjunto de circunstâncias negativas, criadas por um estado de espírito facilmente compreensível, mas inútil.
Nesse sonho eu era como um Deus, (ainda não é possível controlar o que sonhamos) ou como um Universo cheio de vida, como um Planeta!
Neste planeta, os seus habitantes, enormes comunidades de células, levavam uma vida normalíssima; trabalhavam para o seu sustento e das suas famílias, levavam os filhos à escola, faziam compras, iam à missa, conversavam, etc.
Uma vida perfeitamente normal e equilibrada.
Mas, ultimamente, o tema das conversas era sempre o mesmo. Falavam sobre a falta, sentida ultimamente, no mercado geral, fonte de abastecimento local, de vitamina C e cálcio. Teriam que no próximo Domingo, na missa, nas suas orações comunicar ao Senhor do Universo, ou seja, eu, esta necessidade da comunidade e esperar serem ouvidos, isto é; que eu lhes fornecesse o material em falta. Esta era uma prática corrente neste Universo; sempre que escasseava alguma coisa para o bem da sua comunidade eles reuniam-se em oração e normalmente eram atendidos.
Entretanto como por magia o sonho transformou-se ganhando outras dimensões: na central de informações e controlo do sistema imunitário, o estado-maior do exército, era um dia igual a tantos outros. Jeremias Bond, o linfócito T-helper, tinha assumido o seu posto logo pela manhã. Os piquetes de células, os polícias deste Planeta, faziam as rondas habituais expulsando pequenos delinquentes como o Mário Micróbio ou a Beta Bactéria, já conhecidos e frequentadores habituais de lugares menos próprios.
Jeremias Bond, o linfócito T-helper, iniciou os variadíssimos contactos de rotina com estas brigadas de piquete. Falando com a brigada que estava de serviço junto à zona do coração, onde havia sempre um grande congestionamento de tráfego, confirmou que tudo estava em ordem nessa área. Jeremias continuou os contactos, aproveitando para combinar um jantar com Célia, a célula, uma recruta que tinha ingressado as fileiras do exército não havia muito tempo, pela qual Jeremias nutria alguma simpatia e até mesmo admiração pela comprovada inteligência desta sua amiga.
Entretanto Jeremias Bond, o linfócito T-helper, foi alertado pela luz vermelha – luz de perigo – no painel de controlo em consequência de uma informação enviada por uma brigada de T – quatros, piquete de intervenção rápida. Tinham encontrado uns Vírus mal encarados que não respondiam ás habituais técnicas de dissuasão e expulsão; esta brigada pedia reforços! Os Vírus eram extremamente agressivos!
Quando Jeremias Bond retomou o contacto – era uma emergência! – reparou que o chefe da brigada de T-quatros, profissional sério e dedicado, não se encontrava no seu perfeito juízo: havia enlouquecido!!!
Outros contactos confirmaram o já esperado; o caso era gravíssimo! Os Vírus eram muitos e exibiam a particularidade de deter alguma espécie de poder sobre a polícia celular; ao primeiro contacto com estes Vírus as células simplesmente enlouqueciam.!!!
Jeremias Bond contactou um seu informador, Fulgêncio, o Fungo, que lhe confirmou que aqueles Vírus, nunca antes vistos nas redondezas, chegavam para ficar e começavam a provocar estragos.
O intrépido agente celular, Jeremias Bond, confirmou este último facto ao ver chegar à central outros agentes celulares que se haviam confrontado directamente com os Vírus. Estes agentes, definitivamente, haviam enlouquecido!!!
Em pouco tempo estava reunido o conselho de emergência, constituído sempre e somente em situações de grande risco como esta. Deste conselho fazia parte o Brigadeiro Monteiro, um outro T-helper, estratega de grande reputação, que por mais de uma vez havia demonstrado o seu valor com o seu exército celular em grandes e vitoriosas batalhas. O Comandante Amarante também valoroso militar era quem presidia a este conselho, e claro o nosso já conhecido Jeremias Bond, que muitas vezes pondo em risco a própria vida, defendeu o seu mundo demonstrado muita coragem e vontade.
Após várias horas de reunião e troca de impressões os nossos heróis chegaram a uma conclusão: era necessária uma solução e estratégia completamente diferente do habitual, pois estes Vírus eram um pouco mais inteligentes e sabiam como impor a sua força. Mas nada que assustasse este conselho, que já tinha delineado uma estratégia: estes Vírus eram realmente muito agressivos, mas parecia que tinham um ponto fraco; eram muito dorminhocos. Então a solução era deixá-los dormir, não deveriam ser incomodados por nada e dessa forma poderiam ser controlados pelas brigadas celulares. Mas existia um risco; os Vírus eram acordados do seu sono sempre o que o Senhor do Mundo se sentia com pena de si próprio, ou seja, enquanto eu me encontrava melancólico e com o sentimento de auto piedade a desfazer toda a vontade de existir os Vírus despertavam para se rirem da minha fraqueza e comemorarem a sua vitória anunciada.
A solução para toda esta embrulhada era tentar modificar a postura do Senhor do Mundo. Havia que chegar ao mar imenso de imagens conhecido como cérebro, fazer passar a mensagem que o senhor do Mundo tinha que mudar a sua forma de estar e rezar para que fosse escutada.
Jeremias Bond preparou-se para a sua arriscada missão. Enquanto esperava pela noite para uma melhor camuflagem, recordou Célia a célula, quando esta ao desejar-lhe boa sorte na sua missão, lhe ofereceu uma pequena moeda dourada como se de um amuleto se tratasse.
Já de noite depois de muitos perigos apercebeu-se da proximidade do cérebro, o mar imenso de imagens, ao avistar os primeiros dos seus habitantes: os Neurónios. Meditava Jeremias no nome daquele lugar, mar imenso de imagens, quando foi abordado por um dos neurónios. Chama-se António, o neurónio e era uma espécie de guia. Ao saber a finalidade da missão de Jeremias Bond, disse-lhe que o máximo que poderia fazer seria levá-lo até a um neurónio receptor. Que o levaria até casa do seu primo Heitor o neurónio receptor, porque ele é que entendia de mensagens. Dirigiram-se então a casa de Heitor, o neurónio receptor, e quando uma vez mais Jeremias Bond explicou o teor da mensagem que pretendia fazer passar ficou muito desiludido com o que lhe disse Heitor o neurónio receptor.
O primo de António o neurónio, Heitor, explicou que esse tipo de mensagem que Jeremias queria fazer chegar ao Senhor do Mundo, implicava numa mudança de atitude do Senhor do Mundo e isso só mesmo por vontade dele podia acontecer. Eles, os neurónios, somente poderiam receber e emitir mensagens de acordo com a vontade do Senhor do Mundo, eles estavam unicamente capacitados para transmitir o que o Gestor do Universo entendesse.
Jeremias Bond que nunca conhecera a derrota via agora a sua vida, a da Célia a célula e de toda a comunidade celular dependente da vontade de um ser – O Senhor deste Universo – que se mostrava egoísta e incompetente para deter toda aquela catástrofe. O Senhor do mundo estava com tanta pena de si próprio que se esquecera que era a razão de ser de todo aquele mundo único, singular e cheio de vida e que tanta coisa dependia dele, mas a pena de si próprio não o deixava ver a sua responsabilidade, e em consequência disso mais Vírus iam despertando regozijando-se com a vitória eminente sobre mais um mundo que iriam tomar conta e destruir aos poucos até não haver vida nele.
Neste momento do sonho acordei. O sonho parecera-me demasiado real. A dúvida acerca da realidade ou ficção deste sonho instalou-se quando ao abrir a mão encontrei nela uma moeda dourada; a moeda que Célia a célula, havia dado a Jeremias Bond...
Afinal parece que Jeremias e a sua comunidade celular tinham conseguido passar a mensagem.
Se vos contei esta história foi porque esta manhã, recebi um postal do Jeremias e da Célia onde me comunicam que casaram e têm dois filhos, um casal de células T-helper maravilhosas!!!
Neste postal também me agradecem por ter modificado a minha maneira de ser, de viver e ter adquirido a alegria suficiente, após o sonho, que resultou em que toda a comunidade celular readquirisse a esperança e a fé num Deus Menor.